quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O AMOR NO COLO - FABRICIO CARPINEJAR

A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.

Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.

Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.

Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.

Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, agüentar o desgosto da falta do beijo.

Será idiota recitar Vinicius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure". A despedida não é lugar para poesia.

Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: "Por que fez isso comigo?" Haverá a indignação como última esperança. Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar. Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela. Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar. Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros. Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas. Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.

Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto. Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo. Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto. O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e - ao mesmo tempo - necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante. Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Deserto

A impressão que tenho é de estar atravessando um deserto. E o deserto está dentro de mim, não fora. Fora a paisagem é bonita, verde, úmida, feliz. Dentro secura, aridez, tristeza.

Acho que entendo Lenine na frase "medo de morrer na praia depois de beber o mar", como morrer na praia depois de ter bebido o mar? Afogamento? Não... Incerteza, insegurança, medo...

Tenho medo de não sair do deserto, mas também de atravessá-lo e descobrir que o oásis é pouco interessante...rsrsrs. Tenho medo de me acostumar, morro de medo de me acostumar...

Mario Sérgio Cortela escreve que "o animal satisfeito dorme", "que homem satisfeito acomoda-se a situação do momento", que horror!!!!

Tenho medo de acomodar na tristeza, na satisfação momentânea, na preguiça, no medo do enfrentamento. Sinto que já estou tomada por uma certa acomodação, mas isso me angustia ou melhor "ainda" me angustia.

Estou no deserto e está sendo duro demais a travessia. Já pensei ter percorrido alguns atalhos para atravessá-lo e sinto que fiquei mais cansada, com mais sede, menos confiante e não cheguei a lugar algum. Aprendi que em se tratando de desertos os "atalhos" não servem, eles só alongam o trajeto e a sensação de continuar no meio do caminho é no minimo desesperadora.


1ª lição aprendida: não existe atalho no meio do deserto...

Kel...